A Economia Donut: Uma Alternativa ao Crescimento Econômico Tradicional

“O verdadeiro objetivo da economia não é crescimento, mas o florescimento humano em harmonia com o planeta.” – Kate Raworth


A Economia Donut, proposta pela economista britânica Kate Raworth, oferece um novo paradigma que desafia o crescimento econômico ilimitado e explora o conceito de prosperidade humana dentro dos limites do planeta. Em vez de focar apenas no crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), Raworth propõe uma abordagem regenerativa e distributiva, que respeita tanto os direitos sociais quanto os limites ecológicos. Este modelo, cada vez mais influente entre formuladores de políticas e empresas inovadoras, sugere uma economia que mantém as necessidades humanas essenciais dentro da capacidade de suporte do planeta.

Neste artigo, exploraremos como a Economia Donut pode ser aplicada em diferentes contextos, desde cidades até empresas, promovendo um desenvolvimento que respeite os sistemas naturais e sociais. Em uma era de crises climáticas, desigualdade e escassez de recursos, o modelo Donut traz esperança e inovação para aqueles que buscam uma economia mais justa e sustentável. A transição para uma economia regenerativa exige a colaboração entre governos, setor privado e sociedade civil, e o Donut fornece uma estrutura poderosa para guiar essas mudanças.

Ao longo deste texto, examinaremos as características e a relevância do modelo Donut, exemplos reais de sua aplicação, e como ele desafia o crescimento convencional. Também analisaremos as ferramentas que podem ser utilizadas por empresas e governos para implementar essa abordagem, identificando as principais oportunidades e desafios de navegar entre os limites ecológicos e sociais.


O Que é a Economia Donut?

A Economia Donut é um modelo visual desenvolvido por Kate Raworth em seu livro “Doughnut Economics: Seven Ways to Think Like a 21st-Century Economist”. A ideia central é representar a economia como um “donut”, ou rosquinha, onde o espaço seguro e justo para a humanidade se encontra entre duas bordas concêntricas. A borda interna representa as necessidades sociais mínimas que garantem uma vida digna, enquanto a borda externa representa os limites ecológicos que não devem ser ultrapassados para que o planeta se mantenha em equilíbrio. Dessa forma, o objetivo é assegurar que todas as pessoas possam satisfazer suas necessidades sem que isso comprometa os ecossistemas.

Os limites ecológicos do Donut se baseiam nos nove limites planetários definidos por cientistas do Stockholm Resilience Centre, incluindo o clima, a biodiversidade, o ciclo da água, o uso do solo, entre outros. Esses limites indicam as fronteiras que, se ultrapassadas, podem causar danos irreversíveis ao planeta. Por outro lado, o núcleo do Donut incorpora os fundamentos sociais e direitos humanos, inspirados nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) das Nações Unidas. Isso inclui acesso à água potável, saúde, educação, igualdade de gênero e moradia.

A Economia Donut propõe que uma sociedade próspera e saudável é aquela que opera dentro desses limites, garantindo que ninguém fique sem o mínimo necessário enquanto preserva a integridade dos sistemas naturais. Esse conceito desafia a visão econômica dominante, que frequentemente valoriza o crescimento do PIB acima de tudo, ignorando os impactos sociais e ambientais. Em resumo, a Economia Donut visa criar uma nova narrativa econômica que redefine o que significa prosperar em um mundo de recursos finitos.


Por que a Economia Donut é uma Alternativa ao Crescimento Econômico Convencional?

O modelo econômico tradicional, focado no crescimento contínuo do PIB, foi crucial durante o desenvolvimento industrial, mas hoje, ele mostra suas limitações. Em um mundo de recursos limitados, o crescimento ilimitado é insustentável e leva à degradação ambiental e ao aumento da desigualdade. Kate Raworth argumenta que o crescimento econômico não deve ser o objetivo final, mas um meio de alcançar o bem-estar social e ecológico. A Economia Donut oferece uma alternativa ao crescimento convencional, propondo uma visão em que o valor real de uma economia é medido pela saúde das pessoas e do planeta.

A ideia de limitar o crescimento pode parecer contra-intuitiva para alguns, especialmente em economias que dependem do consumo constante. No entanto, o Donut redefine sucesso como prosperidade inclusiva e regenerativa. Em vez de aumentar continuamente a produção e o consumo, ele incentiva a criação de sistemas econômicos que fortaleçam os ecossistemas e promovam justiça social. O Donut propõe uma economia circular, onde os recursos são continuamente reciclados e reutilizados, reduzindo o desperdício e os impactos ambientais.

Além disso, a Economia Donut substitui o foco no PIB por indicadores de bem-estar mais abrangentes, que levam em conta a qualidade de vida, a justiça social e a sustentabilidade ambiental. Esse modelo almeja uma “economia do suficiente”, onde os recursos são usados de forma equitativa e consciente, e onde a regeneração dos ecossistemas é incentivada. O desafio, porém, é como adotar essa abordagem de forma prática, tanto no nível político quanto empresarial, especialmente em economias ainda muito focadas em lucro e crescimento a qualquer custo.


Exemplos de Aplicação da Economia Donut

Adoção em Cidades

Amsterdã é pioneira na aplicação da Economia Donut em suas políticas públicas. Em 2020, a cidade anunciou a adoção do modelo como base para seu planejamento urbano, priorizando habitação acessível, transporte sustentável e economia circular. O governo da cidade se comprometeu a medir suas ações com base no Donut, avaliando como as iniciativas afetam tanto o bem-estar social quanto os limites ecológicos. Por exemplo, políticas de transporte buscam reduzir as emissões de carbono enquanto garantem mobilidade acessível para todos os cidadãos.

Além de Amsterdã, outras cidades como Copenhague e Portland também começam a explorar o modelo Donut para alinhar suas políticas com a sustentabilidade. Copenhague, por exemplo, integra o Donut em seus planos para se tornar neutra em carbono até 2025, priorizando a energia renovável e espaços verdes. Essas cidades não apenas reduzem seu impacto ambiental, mas promovem um crescimento que beneficia seus cidadãos, aumentando o bem-estar coletivo e protegendo os ecossistemas locais.

Esse movimento em direção ao Donut como guia para as políticas urbanas indica uma mudança significativa no modo como pensamos sobre cidades sustentáveis. Em vez de maximizar o crescimento urbano a qualquer custo, essas cidades estão redesenhando seus sistemas para serem equilibrados e resilientes, respeitando os recursos naturais e promovendo uma distribuição mais justa de benefícios. O modelo Donut prova ser flexível o suficiente para ser adaptado às necessidades específicas de cada cidade, incentivando um desenvolvimento verdadeiramente regenerativo.

Empresas Inspiradas no Modelo Donut

Embora o modelo Donut seja mais conhecido no âmbito urbano, ele também tem um grande potencial de aplicação em empresas. A Interface, uma empresa global de carpetes, implementa práticas de economia circular e regeneração em sua produção, reciclando materiais e reduzindo suas emissões de carbono drasticamente. Interface tem como objetivo não apenas minimizar impactos, mas gerar um impacto positivo nos ecossistemas ao apoiar o uso de materiais sustentáveis e incentivar a reutilização de recursos.

Outra empresa relevante é a Patagonia, que promove uma abordagem de negócios focada na regeneração do solo e na produção sustentável. A empresa adota práticas de agricultura regenerativa para produção de algodão e apoia políticas de reutilização e reparo de produtos, incentivando os clientes a consumir de forma mais consciente. Esse tipo de iniciativa inspira uma nova abordagem de negócios, onde o impacto positivo no meio ambiente e nas comunidades é um objetivo central, alinhado ao espírito da Economia Donut.

Essas empresas demonstram que é possível adotar uma lógica regenerativa sem comprometer a viabilidade econômica. Ao contrário, a prática regenerativa agrega valor ao construir uma imagem de responsabilidade e consciência ambiental, que fortalece a confiança dos consumidores. Essa tendência de adotar modelos de negócio baseados no Donut está crescendo, indicando que práticas regenerativas podem prosperar em diferentes setores da economia.


Como o Donut Pode Influenciar Negócios e Políticas Públicas?

A Economia Donut oferece ferramentas práticas para que empresas possam alinhar suas operações aos limites ecológicos e sociais. Um dos métodos mais promissores é a análise de impacto regenerativo, que ajuda organizações a identificar áreas de oportunidade para causar impacto positivo em vez de apenas mitigar danos. Além disso, empresas podem aplicar o ciclo de vida do produto na criação de soluções que regeneram o ambiente em vez de esgotá-lo, promovendo uma produção circular.

Para políticas públicas, o Donut sugere uma abordagem que protege os limites ecológicos e distribui recursos de forma justa. Governos podem usar o Donut para definir metas claras de sustentabilidade e desenvolver políticas que incentivem práticas regenerativas, como incentivos fiscais para negócios sustentáveis e regulamentações para evitar danos ambientais. Políticas que suportam a justiça social e o bem-estar comunitário também são essenciais para garantir que o progresso econômico beneficie a sociedade como um todo.

Incentivos para práticas regenerativas, tanto em empresas quanto em políticas, fortalecem o ecossistema social e ambiental, garantindo uma transição mais equilibrada para o futuro. Em vez de apenas conter danos, governos e empresas devem trabalhar juntos para restaurar ecossistemas e fortalecer comunidades locais. Ao adotar o Donut como guia, políticas públicas e negócios podem operar de forma colaborativa e responsável, respeitando tanto o planeta quanto suas populações.


Desafios e Limites do Modelo Donut

Embora a Economia Donut apresente uma abordagem inspiradora, sua implementação enfrenta desafios significativos, especialmente em regiões com grandes desigualdades ou recursos já em escassez. Cada local tem realidades próprias, e o modelo Donut pode exigir ajustes para que seja aplicável a contextos específicos. Em áreas em que os limites ecológicos já estão sendo ultrapassados, pode ser necessário focar em ações de recuperação ambiental antes de buscar uma economia estável dentro do Donut.

A mensurabilidade dos impactos regenerativos é outro desafio. Medir o progresso em direção a limites ecológicos e sociais requer sistemas de monitoramento detalhados e indicadores específicos que nem sempre são acessíveis a todos os governos e empresas. Esse é um obstáculo que demanda investimentos em pesquisa e desenvolvimento para criar ferramentas acessíveis de avaliação.

No entanto, o modelo Donut pode ser adaptado a cada realidade local, respeitando culturas, ecossistemas e necessidades regionais. Cada comunidade pode usar o Donut para definir seu próprio caminho para a regeneração, com intervenções que considerem a complexidade social e ecológica de cada lugar. Esse desafio é também uma oportunidade de inovação e desenvolvimento local, incentivando soluções adaptadas ao contexto específico de cada região.


A Economia Donut, ao promover uma prosperidade equilibrada entre o bem-estar humano e a saúde planetária, oferece uma visão inspiradora para o futuro da economia global. Em um mundo de limites claros, a abordagem de Kate Raworth nos convida a reavaliar nossas prioridades, propondo uma economia que realmente sirva à vida, em vez de depender de um crescimento constante e insustentável. Governos e empresas têm a oportunidade de adotar essa visão e liderar mudanças que preservem tanto as pessoas quanto os ecossistemas dos quais todos dependemos.


Referências

  1. Raworth, K. (2017). Doughnut Economics: Seven Ways to Think Like a 21st-Century Economist. Random House Business Books.
  2. Stockholm Resilience Centre. (2009). Planetary Boundaries: Exploring the Safe Operating Space for Humanity. Science.
  3. Donut Economics Action Lab. “Amsterdam City Portrait.” https://doughnuteconomics.org/.
  4. Ellen MacArthur Foundation. Circular Economy: A Systemic Approach to Economic Development Designed to Benefit Businesses, Society, and the Environment.
  5. Patagonia. “Our Mission and Environmental Responsibility.” https://www.patagonia.com/.